Racismo estrutural e democracia são temas do novo curso da EPEDH para docentes do GBJ

Racismo estrutural e democracia são os eixos que orientam o novo curso promovido pela Escola Popular de Educação em Direitos Humanos (EPEDH), que tem início na próxima terça-feira (6), com aula inaugural na Escola de Ensino Médio Dona Júlia Alves Pessoa. A formação é voltada para professores da rede pública e tem como objetivo central a busca pela superação do racismo na escola. Entidade responsável pela criação da EPEDH, o Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa (CDVHS) promove o curso em parceria com o Grupo Diálogos de Extensão e Pesquisas Interdisciplinares (Diálogos), vinculado à Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), e com o Instituto Negra do Ceará (Inegra).
No âmbito do trabalho que o CDVHS empreende junto às escolas do Grande Bom Jardim para promover a defesa dos direitos humanos e fomentar uma cultura de paz, foi identificado como fundamental intensificar a luta antirracista. Essa é a avaliação que faz Cassiane Nascimento, pesquisadora e educadora social da organização, ao falar sobre a origem da iniciativa. Segundo ela, a proposta de falar sobre racismo estrutural e democracia junto à comunidade escolar foi gestada para abordar lacunas sociais. “Através do letramento racial nós buscamos promover formações mais abrangentes para educadores da rede pública, permitindo uma maior familiaridade desses professores com uma diversidade de materiais que estimulem reflexões, sensibilizem e principalmente fomentem discussões mais responsáveis sobre o enfrentamento do racismo e a importância do antirracismo dentro das escolas”, afirma.
Ao todo são 40 pessoas inscritas no curso, em sua maioria professores de educação básica de escolas públicas do Grande Bom Jardim, mas também participam ativistas. Para a professora de sociologia da rede pública estadual e integrante da Inegra, Cícera Silva, o fortalecimento e a consolidação da democracia são impensáveis sem a inclusão social, cultural, política e econômica dos diversos grupos étnicos que compõem a sociedade brasileira, especialmente quando se trata do grupo que representa mais da metade da população. “Da mesma forma, é impossível a construção democrática sem a desconstrução de currículos escolares fundamentados no pensamento e no projeto hegemônico colonialista, essencialmente desigual, racista e dominador”, considera. Na avaliação dela, a formação decolonial de professores é fundamental para a democracia: “Se nossos pensamentos orientam nossas práticas cotidianas, é preciso, antes, descolonizá-los”.
O curso tem carga horária de 80h, sendo realizado de forma semanal por meio de plataforma digital do CDVHS. Uma das organizadoras, a estudante de Pedagogia Geyse Anne da Silva explica que já no início a formação aborda como a história do país é perpassada pelo racismo estrutural. “No primeiro módulo vamos tratar sobre a construção social do Brasil e a história de resistência e organização do movimento negro e quilombola”, explica. Na sequência, o segundo módulo propõe trabalhar, a partir de uma abordagem interdisciplinar, a relação entre democracia e políticas de ações afirmativas. “Quando se juntam três termos que tem tanto peso [racismo estrutural, democracia e escola], a gente consegue entender como que o problema é profundo, como nos casos de racismo no futebol, dentro dos aeroportos…”, completa. O terceiro e último módulo foca no papel da escola na educação antirracista.
Além das atividades online, a programação prevê três momentos presenciais, a começar pela conferência de abertura, no dia 6 de junho, e culminância na mesa de encerramento, prevista para o início de outubro. Valorizando a interface dos saberes científico e popular, em uma oportunidade será feita visita à comunidade quilombola de Alto Alegre, na cidade de Horizonte. Segundo Eduardo Machado, professor do Instituto de Humanidades da Unilab e coordenador do Grupo Diálogos, a sociedade civil organizada dos territórios do GBJ já trabalha há muito tempo apostando na interlocução e na confluência de diferentes tipos de saberes. “Entendemos que é preciso valorizar epistemologicamente, teoricamente, empiricamente, vivencialmente os saberes populares por entendermos que eles também são ricos, são valiosos e são complexos”, afirma ele que também é parceiro antigo das ações do CDVHS.
Com experiência na formação de docentes, Eduardo acredita que o curso possa “estimular, instigar, fomentar e promover a condição para que esses professores e professoras possam desenvolver ações didático-pedagógicas, dinâmicas curriculares e processos de ensino-aprendizagem” em que o enfrentamento ao racismo estrutural e a afirmação da democracia sejam centrais. “Nós desejamos oferecer aos educadores ferramentas que possibilitem ser implementadas no cotidiano escolar tornando o percurso e o processo formativos dos estudantes mais humanizados e que dialoguem mais com as distintas realidades que atravessam as juventudes”, acrescenta Cassiane, que também é egressa da Unilab.
A iniciativa também contribui para a efetivação da Lei no 10.639 no Ceará. Com quase 20 anos desde a aprovação, a legislação que inclui nas diretrizes e bases da educação nacional a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira tem implementação “insatisfatória”, nas palavras de Cícera. “Reconheço que as secretarias de educação têm oferecido formação nessa área, mas é preciso mais do que isso, pois para essa política ser efetivada é necessário formação permanente e não pontual, financiamento e monitoramento da política, articulações com outras políticas públicas, além de ações pedagógicas sistemáticas dentro das escolas”, aponta. No mesmo sentido, Geyse considera que o curso ofertado pela EPEDH fortalece o texto federal: “O curso é parceiro da lei, mas não deveria ser só uma tarefa nossa, da junção do terceiro setor, da universidade e do movimento negro. Deveria ser central para os governos”, enfatiza.
A parceria do CDVHS, através da Escola Popular de Educação em Direitos Humanos, com o Grupo Diálogos, vinculado à Unilab, e o Instituto Negra do Ceará reforça a importância da disseminação de conhecimentos que contestam narrativas universalistas. “Uma das missões da EPEDH é fazer com que a luta popular seja fortalecida a partir da promoção de discussões que ajudem na construção de espaços e práticas pedagógicas visando ao enfrentamento das desigualdades”, observa Cassiane. Na visão de Cícera, as três instituições são referência em seus campos de atuação política e de produção de conhecimentos e a parceria entre elas oferece leituras e saberes diversos sobre a complexa realidade brasileira. “Contar a história que não está nos livros de História faz com que nós, pessoas do GBJ, reafirmemos nossa identidade para que essas violências não sejam sempre replicadas”, propõe Geyse. No mesmo sentido, Eduardo conclui com a importância da aproximação da universidade com os agentes sociais a partir dos projetos de extensão.
Serviço:
Aula inaugural do Curso Racismo Estrutural e Democracia: a busca pela superação do racismo na escola
Com professora Elissânia Oliveira e professor Regis Alves
Dia 6 de junho de 2023 (terça-feira), às 18h
Escola de Ensino Médio Julia Alves Pessoa (Rua São Francisco, 125 – Bom Jardim)