Percepção dos estudantes sobre a violência no Grande Bom Jardim é tema de pesquisa lançada nesta segunda (22/05)

O primeiro relatório da pesquisa intitulada “Violência no Grande Bom Jardim sob a perspectiva de estudantes de escolas públicas de ensino médio: vitimização, percepções sobre segurança e repercussões educacionais” foi lançado nessa segunda-feira (22/05), às 14h, na Escola de Ensino Médio Dona Júlia Alves Pessoa. O estudo analisou a percepção de adolescentes e jovens de 14 a 24 anos sobre a segurança em seus bairros e como a violência no Grande Bom Jardim repercute na vida educacional nas escolas públicas de ensino médio.

Para metade dos estudantes que participaram da pesquisa, a violência territorial atrapalha o ambiente escolar. As respostas analisadas revelam que o comprometimento de um ambiente de paz e o medo são indicados por 65,5% como impeditivo para as condições emocionais adequadas para aprendizagem. Além disso, cerca de oito de cada dez participantes consideram o bairro como inseguro ou totalmente inseguro, sendo que 62,2% afirmam já ter presenciado pessoas armadas em seus territórios e quase 46% apontam que a própria circulação pelo bairro já foi afetada pela ação de grupos armados.

A escola é percebida como menos insegura que o bairro, a rua e o caminho até ela. Para estudantes que não trabalham e não participam de projetos sociais, a igreja e a escola são os locais mais seguros depois da casa. Já para aqueles que participam de projetos sociais, estes aparecem como mais seguros que o espaço escolar. “A escola é um espaço com certa ambiguidade na percepção de segurança, pois apesar de mais da metade dos respondentes indicarem como um local seguro, mais de três em cada dez a consideraram insegura. Portanto, para uma parcela considerável, há um sinal da dificuldade de acesso à escola tanto pela sensação de insegurança no percurso como na permanência no espaço escolar”, analisa o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e um dos coordenadores da pesquisa João Paulo Pereira Barros.

O relatório observa ainda que é fundamental que as violências sejam pautadas em discussões dentro do ambiente escolar e que esta instituição receba apoio intersetorial para lidar com essa problemática, já que é baixo o número de alunos que busca o apoio da escola para enfrentá-las.

Os estudantes recomendam, em termos de ações, que a escola deveria apostar em medidas que não vão por um caminho de maior repressão e punição, mas sim de promoção de canais de escuta, diálogo, vínculo, acolhimento e troca de experiências, o que poderia inspirar políticas públicas. Assinam com maior frequência a necessidade de realização de debates, palestras, orientações, rodas de conversa, indicações de serviços, espaços de apoio a estudantes, materiais educativos, articulação de ações com outros projetos sociais e com o Poder Público, além de oportunizar oficinas.

Promovida pelo Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza (CDVHS) em cooperação com Grupo de Pesquisa Violência, Exclusão Social e Subjetivação da Universidade Federal do Ceará (VIESES-UFC) e apoio do Laboratório de Estudos da Violência (LEV-UFC), a investigação buscou entender a vitimização dos estudantes, a forma como eles percebem a segurança na região, bem como as repercussões da violência em suas vidas educacionais. O estudo foi realizado com 497 alunos de 12 escolas públicas de ensino médio do Grande Bom Jardim, que por meio de questionários aplicados em setembro de 2022 forneceram dados acerca da percepção da violência sobre discentes considerando a variedade de marcadores sociais, como idade, raça, gênero e orientação sexual.

Outros achados importantes do primeiro relatório são:
● As violências mais frequentes que os estudantes sofreram foram assalto (18,31%), violência sexual (17,5%) e furto (14,69%).
● Entre sete e oito em cada dez estudantes (74,9%) consideram os serviços de segurança em seus bairros insuficientes ou totalmente insuficientes e 84,5% afirmam terem presenciado, ao menos ocasionalmente, tiroteios, sendo destacável o quantitativo considerável de 21,53% daqueles que presenciaram “muitas vezes”.
● As ações mais comumente realizadas, pelo menos algumas poucas vezes, para se proteger da violência foram as de evitar andar por certas áreas do bairro (83,91%), evitar andar sozinho (80,69%), deixar de sair à noite (72,23%), ir de uber para casa (70,82%) e evitar áreas devido a pessoas armadas (69,01%).
● As mulheres cis sofreram quase duas vezes mais ameaças que os homens cis e outras identidades de gênero, quase três vezes mais.
● Três em cada dez mulheres cis e quatro em cada dez pessoas com outras identidades de gênero indicam ter sofrido violência sexual. “Para comparação: esses grupos apresentaram de cinco a sete vezes mais frequência de ocorrências em comparação aos homens cis. Mulheres cis também foram as principais vítimas de tentativa de homicídio”, detalha o coordenador da pesquisa.
● Estudantes identificados com a raça/cor preta sofreram uma frequência um pouco maior do que as demais raças/cores para assalto, agressão, violência sexual e tentativa de homicídio.
● Em geral, adolescentes e jovens LGBTQIAP+ sofrem cerca de duas vezes mais assaltos, furtos, ameaças e agressões do que heterossexuais e, aproximadamente, três vezes mais tentativas de homicídio e violências sexuais.
● Os espaços de segurança apontados foram, principalmente, a casa, mas também a igreja, o trabalho e os projetos sociais, para aqueles que os frequentam. Enquanto o principal espaço percebido como inseguro foi o bairro, como um território mais amplo, mas também o caminho para a escola e a rua.

Outro ponto a destacar são os principais fatores de permanência na escola a despeito das dificuldades provocadas pela violência, por ordem: amizades, bons professores, projeto de futuro, acesso à segurança, alimentação, lazer, atividades culturais, ter contato e abertura ao diálogo, apoio de outros profissionais da escola e localização da escola. “Ou seja, a partir desse dado, temos também uma sinalização de que aspectos precisamos fortalecer para a permanência qualificada na escola e para potencializar o caráter protetivo que a escola pode exercer frente à violência existente no território”, considera João Paulo.

Os pesquisadores acreditam que os resultados podem colaborar na compreensão dos efeitos psicossociais da violência no Grande Bom Jardim e contribuir para o fortalecimento de aspectos protetivos que garantam a permanência dos jovens na escola. Além disso, podem ser úteis para a prevenção e construção de indicadores para monitoramento, bem como exigir a atuação direcionada e urgente do Poder Público. “Os resultados dessa investigação podem subsidiar futuras práticas de prevenção de violência, redes de proteção social e promoção de direitos humanos no contexto escolar e no território de vida das juventudes”, garante o coordenador.

Matéria escrita por Raíssa Veloso

Link para acessar o relatório parcial da pesquisa: https://drive.google.com/file/d/1Uw6frJamfCWHRN-vBa2qUVJghHn41atY/view?usp=sharing